Enquanto o Brasil registra a menor população rural da história, jovens do Noroeste do RS redescobrem sua identidade e seu território com apoio do Memorial da Evolução Agrícola
A juventude rural brasileira enfrenta um dos seus maiores desafios: permanecer no campo com dignidade e perspectivas reais de futuro. Segundo o Censo Demográfico 2022 do IBGE, mais de 4,3 milhões de pessoas deixaram as áreas rurais entre 2010 e 2022. Hoje, apenas 12,6% da população brasileira vive no meio rural, o menor índice já registrado. Entre os jovens, o êxodo é ainda mais expressivo e é resultado da desigualdade no acesso à educação, cultura, conectividade e renda.
No mês em que se celebra o Dia do Jovem Rural (15 de julho), o MEA – Memorial da Evolução Agrícola, em Horizontina (RS), mostra que é possível construir outros caminhos. No próximo 17 de julho, o MEA realiza um encontro especial com estudantes da Casa Familiar Rural – Filhos da Terra, de Campina das Missões (RS), com vivências educativas, mediações culturais e a oficina “Comida que Une”, ministrada pela cozinheira haitiana Marie Jude Cajuste.
Educação que transforma: raízes, projeto de vida e orgulho rural
A Casa Familiar Rural – Filhos da Terra é uma escola de Ensino Médio com qualificação em agricultura familiar. Os 85 alunos vêm de diversos municípios da região Noroeste e constroem, desde o primeiro ano, um projeto profissional de vida voltado para a melhoria da propriedade rural de suas famílias. “Nosso diferencial é oportunizar ao jovem o vislumbre da propriedade familiar como fonte de renda, qualidade de vida e pertencimento. A escola é do campo e no campo”, destaca Mariéle Röpke, diretora da escola.
A estudante Laura Beatriz Weirick, de 18 anos, vive com a família no meio rural, em uma trajetória marcada pela superação e amor pela terra. “Minha família sempre viveu da agricultura. A gente já plantou muito e hoje trabalhamos com criação de gado. Quando criança, eu era muito ligada ao campo, mas depois me distanciei um pouco disso. Foi a escola do campo que me trouxe de volta”, afirma. Laura relata que adora estudar na Casa Familiar porque se sente acolhida e já faz planos para o futuro no meio rural. “Quero fazer faculdade de Agronomia, porque é o sonho da minha mãe e também o meu. Mas quero continuar conectada ao campo”, destaca Laura.
Do campo para o digital: juventude que comunica sua identidade
Em preparação ao evento do dia 17, os estudantes da Casa Familiar participaram de quatro encontros formativos com os oficineiros Luis Felippe Gabriel da Silva Vieira (fotografia), Jorge Alberto Salles (vídeo) e Otávio Vicari (redes sociais). As oficinas oferecidas gratuitamente pelo MEA capacitaram os jovens a criar conteúdos digitais sobre suas vivências rurais, com técnica, criatividade e visão estratégica. “Eles aprenderam sobre roteiro, edição, algoritmo, criação de pautas e gestão de perfis. A ideia era mostrar que eles podem ser criadores de conteúdo e não apenas usuários passivos”, explica Otávio Vicari.
Divididos em grupos, os estudantes criaram perfis com identidade própria: Agro Tendel, Tudo Rural, Dia a Dia do Leite e Raízes do Leite.
“Cada um no grupo tinha funções específicas: um cuidava da fotografia, outro da edição, outro da apresentação, outro da escrita… Foi uma experiência de equipe, onde cada jovem descobriu seu talento”, completa Otávio. Esses conteúdos irão compor a curadoria do estande do MEA na feira Hortigranjeiros, em Santa Rosa (RS), ampliando a visibilidade da juventude rural e suas narrativas para o público gaúcho.
Para Mariéle Röpke, diretora da escola, a experiência foi transformadora tanto no aspecto pedagógico quanto emocional. “Com o MEA, os jovens passaram a enxergar as belezas do meio rural com mais sensibilidade. A gente trabalha muito no automático e, com essa vivência, eles puderam parar, contemplar e valorizar o que têm. Foi uma experiência maravilhosa e inesquecível”, destaca. Segundo ela, iniciativas como essa são fundamentais para que os alunos reconheçam a potência de suas realidades e compreendam o campo como lugar de inovação e pertencimento.
“As oficinas do MEA, principalmente de fotos e vídeos, me encantaram. Aprendemos a mostrar para o mundo o que somos. Foi lindo, foi profundo. Levarei pra vida inteira”, conta Laura Beatriz Weirick, estudante da Casa Familiar. Para ela, a experiência reforçou o orgulho de viver no meio rural e a vontade de comunicar essa identidade com autonomia e criatividade.
“O trabalho com a juventude rural é essencial para fortalecer os vínculos entre território, cultura e futuro. Quando esses jovens se enxergam como protagonistas de suas histórias, capazes de comunicar suas vivências e transformar suas comunidades, toda a região se beneficia”, afirma Karina Muniz, diretora do MEA. Ela complementa ainda que ações como essa representam um investimento direto na valorização das pessoas e na permanência das famílias no campo.

