FC ENTREVISTA: Fique atento para não cair nas fake news sobre a dengue!

Professor Gustavo Olszanski Acrani comenta a respeito das principais fake news sobre a dengue

Você já deve ter ouvido falar muita coisa sobre como prevenir ou tratar a dengue, mas sabe também se proteger das notícias falsas sobre ela, as chamadas fake news? Tão importante quanto saber quais são os sintomas e como se cuidar, é tomar cuidado com a desinformação. Convidamos o professor Gustavo Olszanski Acrani*, do curso de Medicina da UFFS – Universidade Federal Fronteira Sul  Campus Passo Fundo, para nos ajudar na missão de desmentir algumas das fake news que têm circulado por aí, especialmente através de canais de desinformação compartilhados doYoutube em grupos de WhatsApp. Confira a seguir.

A Invermectina é eficaz no tratamento contra a dengue?

Prof. Acrani: Não é verdade. Não existe no momento nenhum medicamento específico que atue reduzindo a carga viral do vírus no organismo, portanto, nenhuma droga que atue diretamente no combate ao vírus circulando no paciente. Invermectina também não é eficiente no controle dos sintomas (febre e dor no corpo), sendo inadequada também como tratamento da doença. O site do Ministério da Saúde publicou recentemente (08/02/2024) uma matéria revelando que tais tratamentos são ineficazes

É verdade que a dengue pode ser tratada com ingredientes alternativos como folha de mamão, suco de laranja com inhame, suco de limão, caldo de cana e até mesmo carvão?

Prof. Acrani: A respeito desta afirmativa, primeiro precisamos esclarecer um ponto: o que é “tratar a dengue”? A dengue é uma virose causada por um vírus chamado Dengue Vírus, da família dos Flavivírus. Não existe até o presente momento nenhum medicamento com comprovada eficiência em reduzir ou eliminar o vírus do organismo de um indivíduo doente. Os tratamentos alternativos sugeridos em alguns sites e vídeos na internet também não foram comprovados por nenhum estudo que efetivamente tenha relatado redução de carga viral.

Desta forma, a dengue continua sem tratamento específico, assim como a maior parte das viroses. Por outro lado, “tratar a dengue” também pode significar cuidar do paciente de modo a minimizar os sintomas e reduzir o risco de uma doença mais grave. Neste sentido, são utilizados medicamentos que amenizam os sintomas (febre e dor no corpo, por exemplo) e, o essencial, a hidratação (por via venosa e oral), que é feita com soro fisiológico (venoso) e soro caseiro, água de coco, sucos, bebidas isotônicas e água.

Assim sendo, não existem estudos suficientes que comprovem que tais ingredientes alternativos sejam eficientes no sentido de reduzir os sintomas da doença. O site do Ministério da Saúde publicou recentemente (08/02/2024) uma matéria revelando que tais tratamentos são ineficazes

Devemos tomar muito cuidado com sites e vídeos (principalmente os que circulam sem filtro algum pelas redes sociais) propagando curas milagrosas. Ao se deparar com esse tipo de material devemos prestar bastante atenção: geralmente estes textos afirmam que “estudos científicos comprovam”, mas em momento algum os tais estudos são mostrados ou citados. Quando é assim, geralmente não passa de fake news. Verificar a veracidade de tais matérias não é difícil, basta escrever no Google e verificar em sites confiáveis antes de repassar a notícia falsa para alguém. Inclusive, algumas dessas supostas vias alternativas de tratamento são perigosas.

É sabido que muitos chás têm ação anti-inflamatória (como gengibre e chá verde) e por isso devem ser evitados. Além disso, conforme sugere a Associação Brasileira de Nutrição (ASBRAN), o limão, que muitos vídeos defendem como uma cura para dengue, assim como outras frutas cítricas, contém salicilato, componente anti-inflamatório com propriedade analgésica, que é justamente a classe de fármaco que deve ser evitada quando o indivíduo tem dengue. Leia aqui as recomendações da ASBRAN e quais outros alimentos devem ser evitados

É verdade que ingerir vitamina B auxilia na prevenção, pois ela atua como repelente do mosquito?

Prof. Acrani: Infelizmente também não é verdade. Assim como própolis, alho e inhame, o consumo de vitamina B não torna o indivíduo livre das picadas das fêmeas dos mosquitos da dengue. O mosquito é atraído pelo gás carbônico liberado pela pessoa e pelo ácido lático e outros compostos derivados dos ácidos carboxílicos liberados na pele. É sabido que pessoas diferentes liberam quantidades distintas de tais resíduos, o que pode sugerir uma “preferência” do mosquito por determinados tipos de pele, conforme mostrou um estudo publicado em 2022 na aclamada revista Cell (http://tinyurl.com/4jxcczu7).

Não existe nenhum estudo que comprove que o consumo de Vitamina B e outros compostos venham a aumentar o diminuir a atração que o mosquito tem pela pele, portanto, tais substâncias não atuam como repelentes. Para combater o inseto, é necessário atuar no combate ao vetor deixando as casas e terrenos livres dos nichos de reprodução (conhecidos como criadouros do mosquito) e utilizar os repelentes aprovados pela ANVISA, especialmente à base de DEET (N N-dietilmetatoluamida), IR3535 ou Icaridina nas partes do corpo que ficam expostas ou em produtos vaporizados no ambiente http://tinyurl.com/ycxpruzd

A vacina contra a dengue é transgênica, altera o DNA e causa câncer?

Prof. Acrani: A vacina da dengue deve ser recebida como uma das melhores alternativas no combate à doença. Ou talvez a única, visto que não há até o momento tratamento específico para o vírus. Basta lembrar da pandemia de COVID-19, a qual foi minimizada e controlada graças às vacinas rapidamente disponibilizadas no mercado.

A vacina da dengue apresenta um desafio que é deixar o indivíduo imune (protegido) contra os quatro tipos diferentes do vírus (sorotipos 1 a 4). No Brasil os 4 sorotipos circulam atualmente, e é sabido que a infecção por um tipo de dengue torna o indivíduo mais propenso a apresentar uma doença mais grave caso infectado uma segunda vez por um tipo diferente. Desta forma, para ser eficiente, a vacina precisa gerar proteção de uma vez só para os quatro tipos do vírus.

A vacina presente no mercado brasileiro é produzida pelo laboratório japonês Takeda Pharma LTDA., e se chama Qdenga. Ela foi feita utilizando o vírus da Dengue Tipo 2, o qual foi tratado em laboratório de modo a ficar atenuado, enfraquecido, ou seja, o vírus consegue se multiplicar no corpo humano, mas de maneira menos acentuada se comparada ao vírus “normal”, gerando uma baixa viremia e não causando nenhuma doença. O uso de vírus atenuado é seguro e praticado há muitos anos, inclusive é a mesma estratégia usada na vacina da Febre Amarela.

O que pode confundir as pessoas e gerar uma fake news sobre transgênico e alteração no DNA e câncer, é que este vírus tipo 2 atenuado foi modificado usando uma tecnologia chamada DNA recombinante, que não é a mesma coisa que transgênico e não afeta em nada o DNA humano. A técnica, inclusive, é utilizada há anos em biologia molecular, como por exemplo na produção de insulina usada para tratar diabetes.

Usando essa técnica os cientistas conseguiram alterar o material genético do vírus tipo 2 atenuado de modo que ele produzisse as proteínas de membrana e se “transformasse” nos vírus do tipo 1, 3 e 4, tornando assim a vacina eficiente para os quatro sorotipos. Para quem tem interesse, o artigo contendo essas informações está aqui http://tinyurl.com/594ttntb

Dito isso, fica evidente a segurança da vacina, e em hipótese alguma ela irá atuar alterando o DNA da pessoa vacinada e tampouco irá promover o desenvolvimento de câncer.

Desmentidas essas fake news, consultamos o professor Acrani a respeito de outras informações importantes a respeito da dengue e sobre as quais precisamos estar atentos.

Quais sintomas precisam ser observados e que são alerta para buscar ajuda médica?

Prof. Acrani: Durante o tratamento da doença, além do uso de medicamentos seguros para amenizar os sintomas, como dor no corpo, dor de cabeça e febre, deve ser feita uma hidratação cuidadosa, com pelo menos 4 litros (média para indivíduos de 50kg) de água, soro caseiro, água de coco, sucos, além de hidratação venosa (soro) em ambulatórios e unidades de pronto atendimento caso necessário. O paciente precisa sempre estar atento aos sintomas, e os que servem de alerta são especialmente a dor abdominal intensa e contínua, vômitos constantes, náusea e sangramento de mucosas, que geralmente aparecem depois do quinto dia de doença. Tais sinais são alertas que devem ser levados a sério, e quando aparecerem o paciente precisa retornar à unidade de saúde para evitar o agravamento do quadro clínico.

Quais medicamentos precisam ser evitados?

Prof. Acrani: Automedicação é muito perigosa e inclusive os medicamentos que o paciente já toma com prescrição médica devem ser informados no atendimento no caso de dengue, pois alguns devem ser evitados. A popular aspirina (AAS-ácido acetilsalicílico) é um destes medicamentos, pois ela pode piorar o quadro de saúde da pessoa infectada, aumentando o risco de dengue grave ou hemorrágica. Além da aspirina, os medicamentos anti-inflamatórios, como ibuprofeno, prednisona, dexametasona devem ser evitados, assim como o analgésico paracetamol. Mais informações: http://tinyurl.com/yj8cvesb

A vacina contra a dengue é recomendada para todas as pessoas?

Prof. Acrani: No Brasil, a vacina foi aprovada pela ANVISA em 02/03/2023 para pessoas de 4 a 60 anos, ministradas em duas doses e ela apresenta uma eficácia superior a 66,2% (http://tinyurl.com/bhfwr9cc). Vale lembrar que, assim como para outras vacinas atenuadas ela deve ser evitada por gestantes e indivíduos imunocomprometidos ou imunossuprimidos, os quais devem consultar o médico antes de recorrer à imunização. De forma gratuita e distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a vacina está disponível a partir deste ano, fazendo do Brasil o primeiro país a adotar essa estratégia pública de vacinação para dengue. No entanto, devido à baixa disponibilidade do imunizante, as doses estão sendo ministradas apenas em pessoas com 10 e 11 anos de idade e somente em alguns municípios.

Mais informações: http://tinyurl.com/49pvurt3

*O professor Gustavo Olszanski Acrani integra o grupo de pesquisa CNPq-UFFS: “Inovação em Saúde Coletiva: políticas, saberes e práticas de promoção da saúde”.

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