Pessoas com deficiência: Apae Três de Maio promove palestra sobre funções e responsabilidades

Evento reuniu colaboradores da instituição e profissionais da rede
municipal de educação de Três de Maio e São José do Inhacorá e debateu papel da sociedade, família e escola com relação ao tema Deficiência Física

A palestra com o médico pediatra Renato Coelho lotou o auditório da
Sicredi Noroeste RS/MG na noite de segunda-feira, 13 de novembro.
Promovida pela Apae de Três de Maio, com parceria da Sicredi Noroeste
RS/MG e municípios de Três de Maio e São José do Inhacorá, reuniu
colaboradores apaeanos e profissionais da rede municipal de educação de
Três de Maio e São José do Inhacorá.
A abertura do evento contou com as falas do vice-presidente do Sicredi
Noroeste RS/MG, Marcelino Colla; da secretária de educação de Três de Maio,
Vera Kuhler; do prefeito de São José do Inhacorá, Gilberto Hammes; e do
presidente da Apae de Três de Maio, Paulo Camargo.
Camargo destacou a importância das parcerias fortalecidas para que a
vinda do palestrante Renato fosse possível, e agradeceu a presença do público
“Aproveitem esta oportunidade de ampliarmos os conhecimentos com este
profissional de renome.”
Renato Coelho é médico pediatra, mestre em Ciências da Saúde,
especialista na Teoria e Técnica de Intervenção na Relação Pais-Bebês,
preceptor do Ambulatório de Desenvolvimento do Hospital da Criança Santo
Antônio – Santa Casa de Porto Alegre e presidente do Comitê de Pediatria do
Desenvolvimento e Comportamento – Sociedade de Pediatria do Rio Grande do
Sul.
Ele, que esteve pela primeira vez na Apae de Três de Maio, iniciou sua
fala abordando sobre o encontro que teve na instituição, na tarde de segunda-
feira, a fim de discutir e conversar sobre questões especializadas na área, e,
posteriormente, da satisfação de palestrar para o público.

‘É preciso enxergar além da deficiência e ter noção das habilidades do
indivíduo’
O tema da palestra foi ‘Pessoas com deficiência: o que mudou? Funções
e responsabilidades da sociedade, da família e da escola’. Conforme Renato,
se olharmos a história da humanidade e como ela lidou com estas questões e o
quanto avançamos até aqui, vamos refletir: “qual é a nossa função e
responsabilidade? Temos crianças e famílias com situações com deficiência. E
o diagnóstico de uma criança com deficiência nomeia ou aprisiona? Porque
não raro teremos as duas coisas – nomeia e liberta ou às vezes aprisiona.”
Ele seguiu, afirmando que é preciso enxergar além da deficiência e ter
noção das habilidades do indivíduo. “Os pais ficam presos ao filho ideal que
gostariam de ter ou ao filho real que têm? Se ficarem presos ao filho ideal, isso
vai aprisionar. É preciso ter isso em mente, se não se fica brigando com a
deficiência e não se olha as habilidades do indivíduo.”
A história da pessoa com deficiência na humanidade serve de reflexão,
de acordo com o profissional. Algumas passagens históricas são ruins de
relembrar, pois durante muito tempo, quando alguém nascia com deficiência ou
no decorrer apresentasse dificuldade, não sobrevivia porque as adversidades
eram muito grandes e muitas sociedades tinham como norma eliminar este
indivíduo do convívio de diversas maneiras.
Frente a uma situação de diagnóstico de um filho, hoje tem-se a
diferença do humano de antigamente. “O que mudou em nós hoje? O processo
de civilização, de entender e refletir o que é a vida e os fatores que nos
envolvem, de aceitarmos a condição humana de que somos finitos, que temos
uma passagem e podemos fazer algo para que esta passagem seja menos
ruim para quem está do nosso lado. A transformação que a sociedade passou
nos últimos 30 anos é de entendermos que a diversidade do humano é muito
grande”, discorreu.

‘Casos de autismo têm aumentado por conta dos critérios diagnósticos e
por fatores de risco que fazem com que estas condições genéticas apareçam’
Na sequência, o médico tratou sobre o Transtorno do Espectro Autista
(TEA), uma deficiência que muito se fala e que desafia a sociedade para que
se possa ajudar essas crianças, jovens e adultos com o transtorno. “O conceito

do TEA mudou, a neurociência foi evoluindo a ponto de nos mostrar isso. Ele é
um tipo de deficiência, um jeito de funcionar a mente que deixa o indivíduo com
uma dificuldade de interação social. Se chama assim porque é um transtorno
do neurodesenvolvimento. Transtorno e não doença porque não é um
problema que se acomete no cérebro ou que causa lesão no cérebro
subitamente: é um jeito de funcionar a mente que veio com um distúrbio de
funcionamento de origem genética; transtorno porque este jeito de funcionar
que o indivíduo tem traz prejuízos e dificuldades para ele, que acaba se
isolando, sem nos entender e nós sem entendermos ele.”
Este transtorno do neurodesenvolvimento é visto como um distúrbio
neurobiológico de natureza genética, que se expressa através de uma
anomalia do comportamento social, e no momento sem exames que auxiliem
no diagnóstico. “Ele é basicamente clínico, de observação do indivíduo nos
seus comportamentos para então se construir o diagnóstico”, explicou.
Renato disse que o espectro tem uma apresentação clínica muito ampla
e que tem a convicção de que estas classificações sofrerão mudanças nos
próximos anos, pois a neurociência está evoluindo. “O espectro é como se
fosse um relógio que vai de zero a cem. Zero seriam casos levíssimos, que
para diferenciar é difícil. Pela quantidade de sintomas, no cem, por exemplo,
ficam mais evidente as dificuldades e, consequentemente, o diagnóstico, pois
os atrasos são robustos.”
Perto de cem é o que Leo Kanner – psiquiatra austríaco que em 1943
publicou a obra ‘Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo’, em que estudou 11
casos de pessoas que apresentavam uma incapacidade de relacionar-se
–chamava de autismo no passado.
Hoje, segundo o pediatra, entraram para o TEA casos de pessoas que
no passado não eram vistas assim. “Por isso há um aumento muito grande de
casos de autismo. Mas e este aumento ocorre porque mudou o critério
diagnóstico ou há mais alguma coisa?”, questionou o palestrante.
De acordo com Renato, estudos mostram que 80% do número de casos
de autismo se explica pela mudança do diagnóstico e 20% pelo crescimento de
casos, que se dá porque atualmente existem outros fatores de risco que fazem
com que a predisposição genética faça o problema aparecer.

“Vários estudos mostram fenômenos como crianças prematuras, que
nascem antes do tempo e passam muito tempo na UTI com um tipo de
estresse toxico que a coloca em uma condição de vários dias cheia de
aparelhos, e este ambiente pode ser um fator de risco. Outro fator de risco é a
idade com que se tem os primeiros filhos hoje. Nossos pais tinham filhos com
20 e poucos anos. Hoje passa dos 35, o que aumenta o risco de trazer estes
problemas do neurodesenvolvimento. Então se tem a mudança do diagnóstico
e o aumento de fatores de risco que fazem com que estas condições genéticas
apareçam”, esclareceu.

Inclusão escolar de crianças com deficiência
Ao se dirigir especificamente aos professores, Renato explanou sobre a
inclusão escolar, um assunto sempre em pauta e que leva à reflexão sobre as
dificuldades encontradas neste processo. Ele apresentou o caminho percorrido
pelo movimento da educação inclusiva até a atualidade. “As coisas foram
acontecendo e fazendo a sociedade cumprir normas. Isso provoca mudanças,
é um processo de descontruir um conceito para construir outro. Este processo
de desconstrução é continuo”.
E indagou o público: “Qual a nossa função e responsabilidade? No
passado, a humanidade fazia exclusão, depois segregação. Se avançou com a
integração e então chegamos à inclusão. Foi se avançando com a inclusão
escolar, envolvendo escola e professor. Nesta linha, qual a responsabilidade da
família? Família e escola precisam ter aproximação e debate contínuo para
ajustar os funcionamentos e as responsabilidade de cada uma”.
A ligação entre escola e família, conforme o médico, necessita do olhar
de vários profissionais. “Como vamos lidar com aquelas características da
criança e a limitações dela? Cada uma tem suas peculiaridades, habilidades e
deficiência. Não existe uma receita única que sirva para todas. Individualizar o
tratamento é fundamental. Essa interface se faz necessária para que se possa
entender a função e responsabilidade da família e da escola. Sabemos que a
cobrança que recai na escola é muito forte, pois a criança vai para escola cada
vez mais cedo, criando uma relação forte com a instituição. Neste processo,
entram os auxiliares de ensino e os monitores, necessários porque vêm ao
encontro da promoção da inclusão.”

Ao concluir a palestra, disse que é importante que os profissionais da
educação, que estão na linha de frente, possam ter uma assessoria. “Temos
que entender que estas crianças precisam conviver e é nosso papel tentar
desfazer alguns nós que se apresentam na caminhada da criança. Se não for
feita uma intervenção precoce, talvez se condene a criança a ficar presa em
suas dificuldades dela. Aqui cito a frase de Frederick Douglas: ‘É mais fácil
construir crianças fortes do que consertar homens quebrados’”.

‘O trabalho desenvolvido na Apae de Três de Maio me surpreendeu’
O médico destacou que a primeira visita à Apae local lhe causou uma
impressão muito boa. “O ambiente é muito bem estruturado, com recurso
humano fantástico. A equipe veste a camiseta e é entrosada e sincronizada. O
trabalho desenvolvido na instituição me surpreendeu”, disse.
Segundo ele, as Apaes, neste contexto como ONGs, têm mais de 70
anos no Brasil, e, em Três de Maio, 54 anos, exercendo um papel diferenciado
na comunidade. “São casos graves, e lidar com isso exige um equipe
multiprofissional como a que eu encontrei aqui, que avalia, faz reunião de
equipe e decide o que fazer e como tratar cada caso.”
Renato afirmou que a Apae faz uma diferença muito grande em uma
comunidade como Três de Maio. “E boa parte de sua arrecadação vem de
doação da comunidade. O Poder Público também precisa ver a
responsabilidade que têm neste processo.”
Ele acrescentou que, como a demanda deste trabalho está crescendo,
os tratamentos se fazem cada vez mais necessários. Por isso, é fundamental
que a criança com deficiência possa ter em casa, com os pais, a continuidade,
a fim de complementar o tratamento o que a Apae faz.
“Chamamos de treinamento parental, que usa a força dos pais para que
façam o tema de casa, trazendo também a responsabilidade deles. O
treinamento parental leva em consideração o tempo do luto, quando os pais se
revoltam com o diagnóstico, até que aceitem o problema, e isso varia de família
para família. Cada pai e mãe, frente ao diagnóstico, tem um caminho de
pedras, que podem ser grandes, pequenas ou pontiagudas. Mas é preciso
passar neste caminho, que é de aprendizado de vida. Maturidade do adulto é, frente às adversidades, procurar uma saída e descobrir recursos para enfrentar
a realidade da vida como ela é. É um processo complexo”, finalizou Renato.

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